STF Decide se Presos Antes da “Saidinha” Perdem Direito ao Benefício com Novo Fim da Regra
A maioria do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) se posicionou favoravelmente para que a Corte determine se os presos que estavam cumprindo pena antes da mudança na legislação, que extinguiu a possibilidade de “saidinha” para certos condenados, devem continuar tendo direito ao benefício. Nove dos 11 ministros do STF votaram para conceder repercussão geral ao recurso, o que implica que o desfecho do julgamento afetará todos os casos semelhantes em andamento nas instâncias inferiores. Isso inclui ao menos 40 apelações que chegaram ao Supremo, além de pelo menos quatro ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) relacionadas ao tema, que ainda aguardam análise.
Com o novo entendimento, todos os processos que tratam do tema, inclusive aqueles em andamento nas varas de execução penal em todo o país, foram suspensos. A medida visa garantir um posicionamento único e definitivo do Supremo sobre a questão, criando um precedente que deve ser seguido por tribunais inferiores.
A polêmica surge após a promulgação da Lei nº 14.843/2024, em abril do ano passado, que alterou as regras para a concessão de saídas temporárias a condenados por crimes violentos ou hediondos. A nova legislação extinguiu a possibilidade de saídas temporárias para visitação à família e ressocialização dos presos em regime semiaberto. Antes da lei, presos nesse regime tinham o direito de deixar o cárcere em datas como Páscoa e Natal, além de poderem participar de programas de ressocialização fora da prisão, sem supervisão direta, por até sete dias.
A principal questão em debate no STF é se a alteração na legislação pode afetar os presos que já estavam cumprindo pena quando a lei entrou em vigor, com as defesas argumentando que a nova regra seria retroativa, o que poderia prejudicar aqueles que estavam próximos de usufruir do benefício. O argumento utilizado pelos advogados de defesa é baseado no princípio constitucional da irretroatividade das leis penais, estabelecido no artigo 5º da Constituição Federal. De acordo com esse princípio, nenhuma lei penal pode retroagir para prejudicar o réu, salvo para beneficiá-lo.
No entanto, o Ministério Público Federal (MPF) se posiciona de forma contrária, defendendo que a alteração legislativa não trata da tipificação de crimes, mas da execução da pena, e por isso não estaria sujeita à norma da irretroatividade das leis penais. Para o MPF, as condições de concessão das saídas temporárias devem ser avaliadas com base na legislação vigente no momento da concessão do benefício, e não pela legislação aplicável no momento da condenação do réu.
O relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, destacou que o impacto social da decisão é significativo, afetando uma parte considerável da população carcerária brasileira, especialmente os mais de 110 mil presos em regime semiaberto. Barroso sublinhou que a questão envolve não apenas aspectos jurídicos, mas também econômicos, políticos e sociais, dada a relevância das medidas para o sistema penal e a ressocialização dos presos.
O julgamento foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, André Mendonça, Luiz Fux, Cristiano Zanin, Edson Fachin e Gilmar Mendes. A expectativa é que os ministros Nunes Marques e Cármen Lúcia se pronunciem até a próxima terça-feira, 11 de março, sobre o caso.
Histórico da “Saidinha” e Impactos da Nova Lei
A discussão sobre as saídas temporárias surge em um contexto em que, por décadas, o sistema penitenciário brasileiro permitia a concessão de benefícios como a “saidinha”, uma forma de reintegração social, com o objetivo de permitir que o preso mantivesse vínculos familiares durante o cumprimento da pena. Antes da promulgação da Lei nº 14.843/2024, a saída temporária era concedida a presos do regime semiaberto, desde que cumprissem certos requisitos, como o cumprimento de parte da pena e a demonstração de bom comportamento.
A partir de abril de 2024, no entanto, a lei restringiu esses benefícios para condenados por crimes hediondos e violentos, excluindo aqueles em regime semiaberto de usufruírem da “saidinha” para visitas ou para atividades de ressocialização. A nova legislação, que foi promulgada após intensos debates no Congresso Nacional, altera a Lei de Execuções Penais e busca reduzir as possibilidades de concessão desses benefícios a presos considerados de alta periculosidade.
Os defensores dos presos argumentam que a proibição retroativa, sem levar em consideração as condições já estabelecidas no momento do cumprimento das penas, fere direitos constitucionais fundamentais, como o da dignidade humana e o direito à reintegração social. A posição contrária do MPF, no entanto, reforça a ideia de que a mudança se refere à execução da pena e não à tipificação de novos crimes, o que, em sua visão, não infringiria a regra da irretroatividade da lei penal.
Conclusão e Projeções
O STF se prepara para definir não apenas os destinos de milhares de presos que ainda aguardam a decisão, mas também um ponto crucial sobre a aplicação de mudanças legislativas em casos de condenações anteriores à sua vigência. O tema toca diretamente nas questões do sistema penal brasileiro e na interpretação da Constituição, criando uma expectativa de grande impacto sobre o futuro das saídas temporárias no país e, por consequência, sobre a reintegração social dos condenados.
Ainda não se sabe qual será a posição final do STF, mas o julgamento já tem demonstrado a complexidade da questão e a relevância de um posicionamento firme para assegurar a uniformidade das decisões em todo o Judiciário. Com isso, a Corte não só determinará o futuro dos benefícios de “saidinha” como também a forma como a legislação pode ou não afetar os direitos dos condenados à luz da Constituição Federal.
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