Brasil registra mais de 344 mil internações por doenças relacionadas ao saneamento inadequado em 2024, aponta pesquisa
O Brasil enfrentou em 2024 uma alarmante cifra de 344 mil internações hospitalares devido a doenças relacionadas ao saneamento ambiental inadequado. Destas, 168,7 mil foram associadas a infecções transmitidas por insetos vetores, como o mosquito Aedes aegypti, responsável pela disseminação de doenças como dengue, zika e chikungunya. Em segundo lugar, com 163,8 mil internações, estão as doenças de transmissão feco-oral, como as gastroenterites causadas por vírus, bactérias ou parasitas, cuja propagação está diretamente ligada à falta de saneamento básico.
Os dados foram divulgados na última quarta-feira (19) pelo Instituto Trata Brasil, em uma pesquisa que antecipa o Dia Mundial da Água, comemorado em 22 de março. A pesquisa revela que, embora o número de internações ainda seja elevado, houve uma redução significativa de 3,6% ao ano desde 2008, com a média de internações caindo ao longo dos anos. Apesar disso, a realidade permanece alarmante, com quase 950 internações diárias relacionadas a essas doenças no país.
Disparidades regionais: A situação crítica nas regiões mais afetadas
As taxas de internação não são homogêneas em todo o Brasil. As regiões Centro-Oeste e Norte destacam-se como as mais afetadas, com uma incidência de internações muito superior à média nacional. No Centro-Oeste, o surto de dengue fez a região registrar 25,5 internações por cada 10 mil habitantes, o maior índice do país. Já no Norte, as doenças de transmissão feco-oral, como as gastroenterites, afetaram duramente a população, com uma taxa de 14,5 internações por 10 mil habitantes, o dobro da média nacional.
Estados como Amapá e Rondônia apresentaram as maiores taxas de internação, com 24,6 e 22,2 internações por 10 mil habitantes, respectivamente. A Região Nordeste, embora tenha apresentado uma taxa geral próxima à média nacional, também se destacou negativamente na análise de doenças feco-orais, com o estado do Maranhão apresentando uma taxa de 42,5 internações por 10 mil habitantes, seis vezes superior à média nacional.
Essas doenças estão fortemente associadas à falta de acesso a água potável e esgoto tratado, condições essenciais para prevenir infecções. As doenças de transmissão feco-oral, por exemplo, são transmitidas por meio do consumo de água ou alimentos contaminados com fezes de pessoas infectadas, enquanto as doenças transmitidas por insetos são favorecidas pelo acúmulo de lixo e pela ausência de medidas adequadas de controle sanitário.
Impacto nas populações mais vulneráveis
O impacto dessas doenças é mais severo nas populações de menor status socioeconômico. Em 2024, 64,8% das internações foram de pessoas negras ou pardas, refletindo a desigualdade no acesso a condições adequadas de saneamento e saúde. Embora os indígenas representem uma pequena porcentagem da população (0,8% do total), a taxa de internações entre eles foi alarmante, com 27,4 casos a cada 10 mil habitantes.
Além disso, as crianças e os idosos são as faixas etárias mais vulneráveis, sendo mais propensas a desenvolverem formas graves dessas doenças. Aproximadamente 70 mil das internações em 2024 foram de crianças com até 4 anos, representando 20% do total de hospitalizações. A incidência nesse grupo etário foi de 53,7 casos por 10 mil habitantes, três vezes superior à média nacional. Já entre os idosos, com mais de 60 anos, o índice foi de 23,6, representando cerca de 23,5% do total de internações.
O custo social e econômico da falta de saneamento
O Instituto Trata Brasil alerta para o impacto econômico da situação. A melhoria do acesso à água tratada e ao tratamento de esgoto poderia reduzir em até 70% as taxas de internações, além de promover uma economia de R$ 43,9 milhões por ano, considerando os custos com internações e tratamentos de saúde.
Além das internações, o estudo também aborda a mortalidade associada às doenças relacionadas ao saneamento. Em 2023, o país registrou 11.544 óbitos, com 5.673 mortes devido a doenças feco-orais e 5.394 relacionadas a infecções transmitidas por insetos. Apesar de uma queda no número de óbitos desde 2008, os dados são preocupantes, especialmente nas 1.748 cidades onde a taxa de mortalidade aumentou durante esse período.
Os idosos foram as vítimas mais frequentes, representando 76% das mortes, com 8.830 ocorrências. A mortalidade também foi quatro vezes mais alta entre os indígenas do que na população em geral, embora o número absoluto de óbitos tenha sido bem inferior ao das populações negras ou brancas.
O desafio do saneamento e as desigualdades regionais
O estudo do Instituto Trata Brasil expõe a urgência de avançar nas políticas públicas de saneamento básico para enfrentar esse cenário. O Brasil ainda enfrenta grandes desafios em termos de acesso a infraestrutura básica de saúde e saneamento, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, onde as condições de vida são mais precárias.
Além disso, as disparidades socioeconômicas e regionais ampliam ainda mais o impacto dessas doenças nas populações mais vulneráveis. O avanço na oferta de água tratada e no tratamento de esgoto, conforme as estimativas, seria um passo fundamental para reduzir os custos com internações e, mais importante, salvar vidas.
A luta pelo acesso a condições de vida adequadas para todos continua sendo um desafio crucial para o Brasil. O saneamento básico, ao lado de outras medidas de saúde pública, desempenha um papel fundamental na prevenção de doenças e no combate às desigualdades que persistem no país.
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